terça-feira, 16 de junho de 2009

Acordando


No baculejar de todas as manhãs, hoje, olhava fixo para as janelas. Não via, construia imagens que ilustravam seus pensamentos.




- Tenho que... unmn ...é. Será mesmo? Que frio. Que sono. Merda, tiazinha forgada. Esse maluco tá tirando, vai encoxar a mãe!

Os braços já estavam dormentes.

- Vamo ae pesssoal, ainda cabe lá no fundo. Bora, bora!

- Seu fi de corno, você quer que eu vá onde? Tá pensando que aqui é jumento?

A tiazinha soltou sua ira no pé do ouvido dele, sem camurça, era para o cobrador mas Ele sentiu sua cabeça tilintar, sua orelha lambida por palavrões que Guimarães Rosa nunca nem imaginou, ferveu. Olhou para trás e... Não deu tempo, foi exprimido pela massa.

- Vam´bora piloto.

Ainda ficou um bom tempo na cancela olhando para a figura do cobrador. Um sujeito com cara de simpático, abria o olho uma vez ou outra para tocar o gado e acariciar o bigode, sobre a gaveta uma bíblia surrada aberta e uma toalhinha laranja ao lado. Ele não tinha o que olhar, se dedicou ao cobrador, sujeito interessante.

Passou a catraca mas os olhos no cobrador que já estava com outro ritmo, sua preocupação não era mais tocar o povo, acordava só para passar as mãos no bigode, passar as mãos no bigode e olhar para um lado até chegar devagarzinho para o outro.


- Mas que merda ele tanto olha?

- Trânsito, tempo passando, trânsito...

Agora já existe uma evolução no movimento do cobrador baixinho e bigodudo, acariciava seu bigode com os olhos aberto depois de passar os dedos na bíblia, mas o cantinho do seu olho esquerdo revelava...

- O que ele tanto olha?

Trânsito, encoxadas, burburinhos.

- Motorista seu corno! Um passageiro, como sempre.

Mais encoxadas e com licenças.

- Unnm, Ele flagrou novamente o cobrador, cruzaram os olhares, o cobrador dorme. Logo em seguida Ele rastreia os indícios, cobrador volta a abrir os olhos e....

- Nossa, como não tinha visto antes?

A graciosa reluzia, Ele percebeu que não só o cobrador mas todo o ônibus estava na mesma pegada. Ela estava sentada no banco mais próximo da porta de saída, concentrada, lia um livro mas conversava com todos em silêncio com seu saboroso perfume, brincos grandes, cabelo preso para cima com seu delicioso pescoço a mostra dos gaviões.

Ele se apressou em percorrer o tenso corredor.

- Com licença. Com licença.

- Trânsito, trânsito.

Enfim, conseguiu chegar mais próximo daquele mulherão que não era grande, mas uma vasta mulher. A proximidade tinha uns dois bancos no meio.

Para descansar da leitura, apoiava os óculos nos livros, olhava para frente e passava a mão na nuca.

- Que maravilha! Essa eu …

Ele era tímido.

- Eu, eu...

Nem sentia mais as terríveis encoxadas.

- Quer que eu segure suas coisas? Um carinha a sua frente disse.

- Ah, sim. Por favor.

Enquanto despejava sua bolsa no colo do solícito Ela levantou.
Priiiiim. Tocou a campainha.

- É, eu tenho que descer agora mesmo, Obrigado, obrigado. Pegou suas coisas todo desajeitado e saiu encoxando.

- Com licença, com licença.

O busão para, abre a porta. Ele quase chegando.

- Vai descer! Vai descer!

Finalmente chega até a porta enquanto aquela maravilha, já na calçada, o olha.

- Com licença! Vai descer!

- Ô querido, ô.

Ele olha para o lado, é a mesma tiazinha que gritara em seu ouvido.

- Sua cartira.

- Que?

- Sua carteira.

- Hã?

- Sua carteira caiu.

O ônibus fecha a porta e arranca. A tiazinha entrega a carteira para ele com uma cara de sarcástica e sorrisinho de safada.

- Tá aqui meu amor, toma. Cuidado para não ficar sem os documentos.

- Dia de merda! Ele pensou.

3 comentários:

  1. Ôi seu moço, e não é que ficou bão mermo, o minino é bão de prosa, vai dar pra ser dourtor!!! rsrsrs...

    Já tive dias piores viu pixote!!! rsrsrs... mas isso é outra história...

    Parabéns, gostei muito!!!

    Abs,
    GregOne

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